segunda-feira, 21 de maio de 2012

Fedeltá

                “É chegou a hora de tirar leite de pedra, cansei, achei que ia ser fácil parar com tudo, eu tinha uma namorada, um trampo, poxa era pra ser fácil, porque as coisas acabaram assim? Eu tinha mais de vinte mil na minha conta como consegui perder tudo? Festas com os amigos, uma empresa inteira, esses merdas do passado acabaram com tudo, trouxeram a P2 aqui e pouco a pouco levaram tudo, até mesmo o que eu achei que não podia perder. Meu avô de desgosto morreu, minha namorada me deixou por causa do meu bafo de vodka no enterro do meu velho, que merda que eu virei, desculpa ai, vou voltar.”
                “Cadê o numero, eu tinha guardado ele em algum lugar?” Reviro a estante de cima abaixo e não acho a porra do numero, reviro mais a fundo a gaveta e acho o velho vinte e um, será que ainda funciona, aquele aparelho, ainda bem que não o achei antes, se tivesse achado com certeza na merda que eu estava eu tinha vendido ele, o chip ainda funciona nem preciso discar a cobrar ele liga e escuto aquela velha voz, no mesmo tom de sempre:
                - Por onde você andava, achei que nunca mais ia te ver, o que aconteceu está tudo bem, a família continua bem sem você.
                Penso um pouco antes, se eu não falar nada e desligar vai ser uma ofensa, e os italianos não tomam ofensas, eu devia ter ligado pro Hernandez, pedido um dinheiro emprestado porque liguei logo para o chefe na primeira ligação que fazia isso significava um caminho sem volta, quando disquei sabia disso, mas precisava respirar antes de falar palavras que já seriam ditas antes mesmo de serem pensadas.
                - Eu quero voltar, tem algum trabalho.
                A voz do chefe não escondia a satisfação eu era fiel, e isso para um cara como eu era raro, apesar do meu linguajar chulo de quem foi criado nas ruas, eu sempre tinha um assunto não era um tédio como a maioria dos meus, eu era um meio-sangue, mas ainda sim o chefe sempre me chamava pelo sobrenome, raro, com um significado único:
                - Para você, sempre tem trabalho Sanglant, você é um dos nossos melhores garotos, se bem que você não é mais um garoto faz tempo não, vou ligar pro Hernandez, ele precisa saber que você está de volta, para sua sorte ele está ai por perto, ele vai te encontrar.
                Peguei meu velho cartão de crédito que estava junto com o celular, ele estava ativo de novo, completei o tanque da minha CG, uma moto velha só que silenciosa, tive que esperar duas horas até Hernandez me encontrar, ele me encontrou no seu carro, uma mercedes, nunca soube diferenciar os modelos de carros, mas aquele era o mesmo carro que Hernandez tinha na minha época, velho signo, esse advogado sempre foi meticuloso, era o tipo de cara que nunca iria se desfazer de um carro desses.
                Kit básico, uma pistola calibre 38, cano raspado, não importava muito o calibre, a maneira como fazia meu serviço o que importava era que fosse silenciosa, a foto, dessa vez era um tipo gordo, seria fácil se ele estivesse sozinho, eles devem ter julgado que eu estava enferrujado só assim para me mandarem atrás de um zombie, mas bem trabalho é trabalho, e o pagamento estava ali, adiantado como sempre e tinha triplicado se comparado com o da minha época, ao me ver contar o dinheiro, Hernandez brinca, fazia tempo que eu não via isso, era raro ver aquele baixinho brincando:
                - Correção monetária.
                Peguei a pistola, guardei a foto, e entreguei a maleta para ele:
                - Deposita, a conta continua a mesma.
                Ele pega a maleta guarda no banco de trás e volta para o volante, faz o contorno com o carro, abaixo o seu vidro e ao invés de sair em disparada como o de costume, vi algo que guardei comigo para o resto da vida, sem o orgulho, não existente entre os meus, mas com a honra poucas vezes enxergada entre os meus. Ele antes de sair tirou seus ósculos escuros e disse olhando no fundo de meus olhos com o olhar que inspirava lealdade em todos os homens da “Famiglia”:
                - Bem vindo de volta francês, senti sua falta.
                “Os homens são fiéis ao seu líder, mas só enquanto os a sua volta poderem garantir a eles que isto vale a pena.” Velhas palavras do velho padrinho, palavras eternizadas pelo olhar daquele “Consulente del sangue caldo.”

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