segunda-feira, 11 de junho de 2012

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Desespero

     E eu corri, corri como a muito tempo eu não corria, por todos os lados eu olhava procurando uma saída, um lugar por onde eu podia cortar caminho, tropecei, achei sinceramente que tudo estava acabado ali, mas minha sorte era maior do que eu imaginava, e consegui entre tropeços me levantar e continuar o caminho, passei pelo posto de combustivel, eu poderia ter completado ali mesmos as coisas mas maldita e velha mania minha, era um complexo horrível o que eu tinha mas não podia evitar, fazia parte de mim.
     E pensar que aquele dia tinha começado normalmente, tinha saido de casa e tomado um suco na panificadora e seguido meu caminho até a panificadora, ficar sem carro era difícil mas o preço óbvio quando se resolve abastecer no posto novo da esquina, chegar no trabalho a pé nem era muito dificil, seguia-se por três quadras em linha reta depois da panificadora que ficava na esquina de casa, e depois virava a esquerda mais dez quadras e estava lá.
     O prédio era bom e não faltava estrutura, mas esse costume era velho, nunca vivi muito longe das minhas casas exatamente por essas manias, comer só em casa, tudo era em casa, me permiti montar o escritório um pouco mais longe por causa do carro, não era mania, era trauma mesmo, não lembrava como tinha começado mas era assim, e o escritório era meu, mas bem não era o unico usuário, e isso fez com que eu começasse a sempre voltar em casa naquelas horas.
     Foi de repente, não sabia exatamente porque mas assim que a sensação começou eu comecei a me preparar pensei logo em pegar a chave do carro, mas percebi meu erro, e corri descer as escadas, o Jaime e os Carlos os dois já estavam acostumados com essa pressa, mas sinceramente nunca souberam o porque. Jaime precisava da minha assinatura para uns papéis, tive que assinar correndo, nem perguntei o que era sai suando, e corri, cara como eu corri, passei pelo posto alguém me cumprimentou nem vi. 
     Tropecei no meio-fio me levantei, atravessei a rua correndo, e um carro veio em minha direção, o carro não chegou a bater em mim, mas cara que merda, literalmente que merda, não me segurei, passei pro outro lado da rua quieto e fui cabisbaixo para casa, jurei que pelo resto da vida eu nunca mais ia comer feijoada, ou então ia aprender a cagar em outro lugar sem ser em casa.

domingo, 27 de maio de 2012

Paz Interna

Eu tinha oito anos quando eles vieram até mim. Era uma simples criança camponesa, subnutrido, sub-educado, sem qualquer perspectiva de vida naquele país pobre e sem expectativas, no qual a melhor chance de um pobre enriquecer era roubar.
Primeiro, eles me observavam de longe. Nunca entravam em contato comigo, mas me olhavam enquanto eu cumpria minhas tarefas diárias e nas poucas horas que eu tinha para brincar com as outras crianças do vilarejo.
Em seguida, um deles começou a fazer perguntas para os vizinhos, para os pais dos meus amigos. Até a única professora da escola, uma estrangeira que nos ensinava como trabalho humanitário, foi interrogada sobre mim.
Então, eles vieram até minha casa. Primeiro, conversaram em particular com meus pais. Como os religiosos que eram, meus pais ofereceram a eles chá e bandô, uma papa de farinha de trigo, água e ervilhas. Então meus pais vieram falar comigo.
Para a honra e glória da minha família, eu era a quadragésima quinta reencarnação do Maco Farata, o grande líder de nossa religião. Como tal, eu deveria ser levado ao templo principal para educação e preparação para a vida que eu deveria levar, bem como para as novas e maravilhosas tarefas que eu teria com o mundo. Minha mãe estava em lágrimas, que segundo aqueles que vieram me buscar, eram da mais pura alegria. Eu era novo, mas podia sentir nela a dor de se separar de seu único filho, e senti essa dor também.
Eu não entendia o que aquilo significava. Eu nunca mais passaria fome. Eu nunca mais passaria vontades. Eu teria tudo aquilo que eu quisesse e precisasse. Eu era o homem mais importante do país, a partir daquele momento. Mas mesmo que eu soubesse daquilo tudo, iria querer dividir com meus pais. É claro que eles teriam grandes compensações. Seriam líderes do vilarejo, todos dariam tributos ao grande casal que havia trazido o messias de volta ao mundo mais uma vez. Mas eu nunca mais os veria. Eu não podia lutar contra aquilo. Eu era uma criança. Mas eu havia posto na minha cabeça que eles haviam errado. E estava disposto a prová-los isso.
Nas primeiras semanas que passei do templo, fiz da vida do meu tutor um inferno. Eu nunca estava onde deveria, nunca fazia o que deveria, nunca aceitava ordens. Prestes ao complemento de seis meses de estudo, meu tutor me trouxe uma velha camponesa que estava no grande templo fazendo uma oferenda.
Ela se aproximou de mim, com os olhos arregalados, um buquê de flores numa mão e uma tigela de bandô na outra. Ela me ofereceu ambos, mas antes que eu pudesse pegá-los meu tutor os levou. Ela pediu para segurar em minha mão, o que eu atendi, assustado pela reação da mulher para com a minha figura.
Então, ela começou a se debulhar em lágrimas. Me pediu, entre soluços e fungadas, que intercedesse para com os espíritos superiores para que o espírito desencarnado de seu filho pudesse partir em paz. Prometi a ela que oraria aos grandes espíritos para que guiassem e mostrassem o caminho da paz para o filho dela. Imediatamente um grande sorriso nasceu no rosto dela. Ela agradeceu, e prometeu que iria anualmente ao grande templo, a cada ano com uma oferenda melhor e uma porção maior de bandô.
Quando ela se foi, eu pude compreender. Eu podia fazer o bem a muitas pessoas através daquilo. Eu era a representação carnal da esperança de milhões. Eu nunca mais lutei contra meu papel no mundo.

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Eu tinha já vinte e um anos quando ele veio até mim.
O país passara por grandes problemas nos últimos dez anos, e da guerra civil emergira um governo militar. Uma ditadura.
Como líder religioso e guia espiritual de uma religião que acreditava na liberdade e no bem próprio, eu era completamente contrário àquilo. Mas ele havia requisitado uma reunião, e meus conselheiros haviam me dito que seria péssimo recusar.
Foi assim que o general, grande líder do novo regime, veio ter comigo. Eu o recebi numa pequena sala mobiliada à moda antiga, com esteiras e uma pequena mesa de chá. A intenção era ele ver a força do costume e não tentar me devolver das minhas crenças. Ele também trazia bandô, como todos aqueles que vinham até mim com um pedido. Mas ele não queria me pedir nada.
Eu não tinha nada a dizer para ele, então me limitei a cumprimentá-lo e esperar que falasse o que tinha para dizer.
Ele começou como eu sabia que faria. Deu indiretas indicando que poderia minar o meu poder político. Que, sendo contrário a ele e seu grupo, eu estaria em maus lençóis e poderia vir a ser a derrocada da minha religião. Aquilo não me abalaria. Eu sabia da força da fé dos meus congregados, sabia que não se oporiam a nada que eu dissesse. Ele precisava de mim mais do que eu dele. Se eu falasse ao público para o apoiar, ele não teria que se preocupar com grandes levantes populares.
Então, ele começou a falar em números. Me disse quantas pessoas haviam morrido na guerra. Quantas pessoas eles estimavam que estivessem contrárias a ele. Quantas almas seriam levadas nas guerras que se seguiriam. Contou, gota de sangue por gota de sangue, quantas vidas uma palavra minha poderia salvar.
Uma semana depois, eu fiz um discurso público deturpando os conceitos da religião. Disse que os espíritos superiores o haviam mandado para estabelecer a ordem e a paz na nação, e que nós nada deveríamos temer com ele nos guiando. Vendi a ele a confiança que tinham em mim, em troca de alguns milhares de vidas.

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Quando eu os encontrei, eu tinha já quarenta e nove anos. A anos minha nação era uma ditadura militar, e eu reprovava todo e qualquer levante popular. Graças a isso, quando fui visitar uma nação ocidental, com seus valores de liberdade, haviam protestos contrários a minha visita a cada esquina, liderados por jovens cheios de ideais e força de vontade.
Mas eu prometi aos organizadores da visita que receberia dois daqueles jovens para uma conversa formal.
Minha surpresa não poderia ser maior com a escolha. Um deles era filho de um refugiado político do meu país. O outro era uma garota pouco mais velha do que eu era quando tive minha reunião com o general, e possuía uma grande marca na cara, uma cicatriz.
Eles mal me deram tempo para os agradecer por estarem ali. Imediatamente começaram a expor suas idéias e histórias.
O garoto falou primeiro, também sobre números. Me mostrou quantos haviam morrido nas torturas exercidas pelo partido do general. Me indicou quantas almas haviam sido levadas nas prisões políticas. Me contou sobre crianças tiradas de seus pais camponeses para fazerem as escolas militares e terem a mente programada para o bem da nação. Nada daquilo me surpreendeu. Desde meus vinte e um anos, eu havia acompanhado os números.
Mas então a garota falou. Ela me contou como fora fazer serviço humanitário em meu país, como minha professora uma vez fizera. Como haviam a ameaçado quando ela tentou evitar que um de seus alunos fosse levado pelos militares. Como havia sido punida na carne, no rosto, como um exemplo, ao ensinar aos alunos os conceitos de liberdade de expressão e de democracia. Me contou o choro das mães ao verem seus filhos sendo tomados. Como minha mãe chorara. Mas eu havia sido levado para um grande futuro. Eles eram levados para o frio e a fome nos campos de treinamento.
Eu nunca mais voltei ao meu país. Fingi estender por motivos diplomáticos minha estada naquele país ocidental, enquanto adquiri aliados ali que me ajudaram a tirar aqueles que seriam imediatamente punidos pela minha insolência de minha nação. Estabeleci numa nação neutra um novo centro religioso, com apoio e patrocínio das nações ocidentais e de alguns dos inimigos do general. E nunca mais vi o grande templo, meus pais, ou a velha que me levava grandes porções de bandô todos os anos.
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Ela me alcançou quando eu tinha recém completado oitenta e nove anos.
Eu a recebi como uma velha amiga, esperada. Eu tinha grandes planos para ela, e ela pareceu saber disso, vindo na melhor hora possível.
O general não havia me enfrentado diretamente. Havia tomado cuidado, pois sabia que os fiéis da minha religião eram muitos, e por isso ao invés de tentar me confrontar e acusar, havia contornado cada declaração minha com sua grande oratória. Mas ele havia falecido a alguns anos, e seu sucessor era brusco e sempre batia de frente com o que eu dizia. A menos de um ano, um de meus monges havia sido morto a pauladas por soldados ao fazer um manifesto público durante um evento militar na praça em frente ao grande templo. Fora um acidente, mas os conflitos resultantes disso haviam feito os líderes atuais declararem proibidas quaisquer manifestações públicas de religião no país.
E então ela chegou. Primeiro como uma tosse corriqueira. Logo, uma pneumonia. Eu sabia que era a hora, e chamei meus colegas mais próximos.
Eles sabiam o que deveriam fazer. Eu morreria, e eles diriam que eu fora envenenado por ordem do partido. Aquilo seria o suficiente para que aqueles que ainda não se movimentavam contra o partido se levantassem. Minha religião pregava a paz, mas também a punição dos injustos. Não haveria força militar que poderia responder a angustia de tantas almas implorando por liberdade.
Eu havia escrito tudo por linhas tortas, mas ao menos alguns conseguiriam ler.

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Fedeltá

                “É chegou a hora de tirar leite de pedra, cansei, achei que ia ser fácil parar com tudo, eu tinha uma namorada, um trampo, poxa era pra ser fácil, porque as coisas acabaram assim? Eu tinha mais de vinte mil na minha conta como consegui perder tudo? Festas com os amigos, uma empresa inteira, esses merdas do passado acabaram com tudo, trouxeram a P2 aqui e pouco a pouco levaram tudo, até mesmo o que eu achei que não podia perder. Meu avô de desgosto morreu, minha namorada me deixou por causa do meu bafo de vodka no enterro do meu velho, que merda que eu virei, desculpa ai, vou voltar.”
                “Cadê o numero, eu tinha guardado ele em algum lugar?” Reviro a estante de cima abaixo e não acho a porra do numero, reviro mais a fundo a gaveta e acho o velho vinte e um, será que ainda funciona, aquele aparelho, ainda bem que não o achei antes, se tivesse achado com certeza na merda que eu estava eu tinha vendido ele, o chip ainda funciona nem preciso discar a cobrar ele liga e escuto aquela velha voz, no mesmo tom de sempre:
                - Por onde você andava, achei que nunca mais ia te ver, o que aconteceu está tudo bem, a família continua bem sem você.
                Penso um pouco antes, se eu não falar nada e desligar vai ser uma ofensa, e os italianos não tomam ofensas, eu devia ter ligado pro Hernandez, pedido um dinheiro emprestado porque liguei logo para o chefe na primeira ligação que fazia isso significava um caminho sem volta, quando disquei sabia disso, mas precisava respirar antes de falar palavras que já seriam ditas antes mesmo de serem pensadas.
                - Eu quero voltar, tem algum trabalho.
                A voz do chefe não escondia a satisfação eu era fiel, e isso para um cara como eu era raro, apesar do meu linguajar chulo de quem foi criado nas ruas, eu sempre tinha um assunto não era um tédio como a maioria dos meus, eu era um meio-sangue, mas ainda sim o chefe sempre me chamava pelo sobrenome, raro, com um significado único:
                - Para você, sempre tem trabalho Sanglant, você é um dos nossos melhores garotos, se bem que você não é mais um garoto faz tempo não, vou ligar pro Hernandez, ele precisa saber que você está de volta, para sua sorte ele está ai por perto, ele vai te encontrar.
                Peguei meu velho cartão de crédito que estava junto com o celular, ele estava ativo de novo, completei o tanque da minha CG, uma moto velha só que silenciosa, tive que esperar duas horas até Hernandez me encontrar, ele me encontrou no seu carro, uma mercedes, nunca soube diferenciar os modelos de carros, mas aquele era o mesmo carro que Hernandez tinha na minha época, velho signo, esse advogado sempre foi meticuloso, era o tipo de cara que nunca iria se desfazer de um carro desses.
                Kit básico, uma pistola calibre 38, cano raspado, não importava muito o calibre, a maneira como fazia meu serviço o que importava era que fosse silenciosa, a foto, dessa vez era um tipo gordo, seria fácil se ele estivesse sozinho, eles devem ter julgado que eu estava enferrujado só assim para me mandarem atrás de um zombie, mas bem trabalho é trabalho, e o pagamento estava ali, adiantado como sempre e tinha triplicado se comparado com o da minha época, ao me ver contar o dinheiro, Hernandez brinca, fazia tempo que eu não via isso, era raro ver aquele baixinho brincando:
                - Correção monetária.
                Peguei a pistola, guardei a foto, e entreguei a maleta para ele:
                - Deposita, a conta continua a mesma.
                Ele pega a maleta guarda no banco de trás e volta para o volante, faz o contorno com o carro, abaixo o seu vidro e ao invés de sair em disparada como o de costume, vi algo que guardei comigo para o resto da vida, sem o orgulho, não existente entre os meus, mas com a honra poucas vezes enxergada entre os meus. Ele antes de sair tirou seus ósculos escuros e disse olhando no fundo de meus olhos com o olhar que inspirava lealdade em todos os homens da “Famiglia”:
                - Bem vindo de volta francês, senti sua falta.
                “Os homens são fiéis ao seu líder, mas só enquanto os a sua volta poderem garantir a eles que isto vale a pena.” Velhas palavras do velho padrinho, palavras eternizadas pelo olhar daquele “Consulente del sangue caldo.”

segunda-feira, 14 de maio de 2012

Fantasia

Isso aconteceu quatro anos depois de eu parar de fazer shows. Minha vida era derrubar fraudes. Quando eu era criança, ficava fascinado com as apresentações do mágicos que passavam pela cidade, fazendo cartas sumirem e aparecerem de novo dentro de um garrafa "selada", ou com alguém que rasgava uma nota de dinheiro de um transeunte e depois a devolvia inteira. E foi por isso que eu vim a me tornar aprendiz de Assombroso David. Ou David Monteiro, como eu o chamava. E toda a fantasia da mágica desapareceu para mim. David era um dos melhores da época, sabia todos os truques, e me ensinou tantos quanto pode. Eu via um show com um colega fazendo truques com 3 bolinhas escondidas em 3 copos e imediatamente ficava entediado. Eu sabia como fazê-lo. Fazia até melhor. E foi graças a isso que eu acabei me integrando ao Comitê de Ceticismo e Caça ao Charlatanismo. Ou C4, como a mídia fazia questão de nos chamar. Mas as reações explosivas eram quase sempre daqueles que nós desmascarávamos. Eu mesmo tivera meus momentos de glória e reconhecimento, com shows em Las Vegas e aparições na TV. Mas aquilo também era entediante. Mas eu nunca alegara ter qualquer poder. Me dava ódio ver os pseudo-paranormais aparecendo em rede nacional, prometendo curas milagrosas e feitos fantásticos. Com não mais do que uma observação, eu notava como eles tinham feito aquilo. E logo esse ódio me fez integrar o grupo itinerante do C4. Nossa função era, todos os dias, receber novos charlatões na cede do Comitê, sempre jurando estar fazendo algo inexplicável pela ciência e pelas técnicas por nós tão conhecidas. Todos eles atrás de um grande montante de dinheiro e a fama de ter feito algo inexplicável até mesmo por nós. Nunca nenhum deles saia dali feliz. Mas eu mesmo não saia de lá feliz. Estava entediado, cansado. Era sempre a mesma coisa. Eu, claro, tinha talento para desmascará-los, mas era algo que eu fazia movido por sentimentos negativos. Desde que eu passara a fazê-lo não tinha dado mais nenhum show. Foi em algum momento de 1998, eu não me lembro bem, que ele veio até nós. Era o quinto ou sexto nome da lista, que eu nunca me dava ao trabalho de observar previamente. Mas assim que fui verificar quem era o próximo, reconheci o nome. Eu ainda encarava a lista enquanto seus passos ecoavam pela sala e ele chamou meu nome. - Philip. - Eu levantei os olhos para o observar. Ainda tinha o mesmo rosto de quando éramos mais jovens, mas sua expressão não era aquela displicente e jovial de alguém desafiando o mundo. - Daniel. - Eu respondi o comprimento do meu antigo colega de aprendizado nas salas de David. Ele havia abandonado o show biz a anos, quando seu filho e mulher lhe foram levados num acidente terrível. - Eu vim por que me disseram que você estaria aqui. - Ele não sorriu, e pareceu não se importar com meus colegas de bancada, ansiosos por desmascarar o que quer que ele fosse fazer. - Se você veio para falar comigo, podia ter me ligado. - Não, eu vou mostrar algo para vocês. - Mesmo se referindo a todos nós, ele continuou olhando apenas para mim. - Mas não quero o dinheiro ou a fama. Vou fazê-lo porque acho que você precisa ver isso, Philip. Meus colegas começaram um burburinho. Eu mesmo não compreendia. Todos que vinham até nós queriam os prêmios de ter enganado o grupo mais impossível de ser feito de tolo do mundo. E ele vinha dizendo que não gostaria dessas recompensas. Apenas aquilo já era algo estranho. Ele se afastou da bancada para a mesa, coberta com seus materiais. As pessoas que nos procuravam podiam trazer seus materiais, mas deviam deixá-los uma semana conosco para que verificássemos qualquer truque que poderia estar ali presente. Eu, particularmente, não era o responsável por essa avaliação, mas confiava o suficiente naqueles que a faziam. E assim que ele revelou o que usaria, eu entendi o que ele pretendia. Nosso professor tinha um truque, chamado Fantasia. Consistia em fingir se cortar e fazer o sangue "misticamente" pegar fogo, e depois tirar as coisas mais incríveis desse fogo. Nosso sempre tentara de várias maneiras dar um passo a frente, evoluir o truque, controlando a forma das chamas para que elas tomassem a forma de algo ou alguém, mas chegara, pouco antes de falecer, a conclusão de que era impossível. Ele começou. Fez um corte na mão, e o sangue começou a escorrer. Acendeu um fósforo e tocou o sangue com ele, fazendo esse entrar em combustão imediata. Então, ele se aproximou de mim. Com a chama na palma de sua mão, ele se aproximou, colocando-a bem na minha frente. Então, a chama começou a tomar forma. Primeiro, parecia uma bola. Então, uma cabeça. Logo um rosto começou a se desenhar. Similar a um velho, com uma barba não muito longa, uma expressão de estar se divertindo, a careca já avançada. O velho piscou para mim, e eu o reconheci. Era o meu professor. Gabriel extinguiu as chamas imediatamente e se afastou da mesa. Demorou um tempo para que eu percebesse que tinha que continuar meu trabalho. Me levantei e fui até ele. Pedi para ver sua mão, o que ele prontamente atendeu. Rapidamente pude verificar que o corte era verdadeiro e parecia cauterizado. Haviam até mesmo pequenas queimaduras aqui e ali na palma de sua mão. E não parecia haver resquício de qualquer fonte externa da chama, que era a maneira como David costumava fazer aquele truque. As mãos dele haviam sido verificadas antes dele entrar, assim como as mangas, os bolsos, e tudo mais, como era o procedimento padrão. Não havia maneira dele ter colocado algum tipo de luva para se proteger. Voltei para meu lugar na bancada, onde um dos meus colegas disse aquilo que era uma resposta padrão nos poucos casos em que não chegávamos a uma conclusão imediata. - Obrigado por ter vindo. Assim que algo for definido, entraremos em contato. Se não chegarmos a nenhuma conclusão no período de seis meses, uma quantia de... - Não. - Gabriel interrompeu. - Não precisam entrar em contato ou enviar qualquer forma de pagamento. Nem soltar nenhuma nota na mídia. Eu não vim aqui para isso. - Para que você veio, então? - Eu perguntei, antes que pudesse notar o que estava fazendo. Ele olhou para mim e sorriu pela primeira vez desde que entrara na sala. - Ele me disse que você precisava voltar a acreditar em fantasia. Isso aconteceu quatro meses antes de eu voltar a fazer shows.

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Retalhos de Lembranças


                Eu tinha cerca de vinte e seis anos, parecia como uma noite qualquer, uma simples visita depois de um dos pedidos de meu Dindo, eu era ainda muito jovem, mas segundo meu avô esta função que exercíamos de advogados da família, era uma posição de destaque e honra afinal tudo desde minha faculdade até as causas da firma, tudo tinha uma relação vinda da família. E era de suma importância que nessa cerimônia como meu avô chamava eu estivesse sozinho, me irritava visitar o Dom sem meu avô ele saberia como se portar muito melhor que eu.
                Ao chegar, nos sentamos à mesa, a comida foi servida, uma bela macarronada feita pela Mama Sofia, como era carinhosamente chamada à cozinheira do Dom, uma velha senhora que havia perdido seu marido enquanto este trabalhava de guarda costas de um dos filhos do Dom, Ricardo o filho mais novo do Padrinho havia morrido nesse incidente, mas a maneira como o esposo da Mama havia morrido, figurou na família como uma grande divida desta para com ela e seus filhos, portanto a minha mesa estava um de seus filhos, Leonardo, um dos homens de confiança do neto do Dom, Giovani.
                - Meus queridos filhos – o Dom começou – creio que todos entendam que se os chamei aqui, todos e ao mesmo tempo, tenho um grande assunto a tratar, a família tem tido sucesso em todos esses anos devido a união e fidelidade de grande homens como sabem.
                O Dom esquecia que havia entre os homens ali presentes gratidão e tradição o bastante para que estes fossem fiéis aos princípios da Família, e aos que faltava gratidão e tradição a falta de escrúpulos ou até mesmo o medo sobravam era simples, para qualquer homem entender porque estes entravam para a máfia, qualquer um ali sabia das vantagens uma vez já procuradas, ou dos prejuízos de uma recusa, Dom Vicente era um homem bom para os seus, nunca extorquia além do necessário, e havia sido até mesmo para os drogados um homem relativamente bom, afinal um par de ossos quebrados é obviamente melhor que a morte.
                Enquanto todos confirmavam as palavras iniciais do Dom com seus votos familiares, ou sorrisos extremamente dissimulados, o Dom continuou:
                - Venho sendo o Dom desde muito tempo, e venho por meio desta reunião dizer que não o pretendo ser por muito tempo, a Família precisa de um sangue novo, mas duvido que qualquer um dos meus netos esteja pronto realmente para assumir tal função.
                Os Netos do Dom se entreolharam, eram quatros estes, os dois mais velhos já beiravam seus trinta anos, enquanto os mais novos mas também ali presentes, tinham respectivamente dezenove e quinze anos, Dois netos para o filho mais velho do Dom, e um neto para cada uma de suas filhas, mas antes que qualquer um desses tivesse a chance de manifestar o Dom continuou:
                - Por isso que tenho que eleger entre vocês um consigliere, e não vejo candidato melhor que Leon Hernandez, que passara agora a ser chamado entre nós Consigliere Hernandez tal qual o era seu avô, e para assumir meu cargo eu indico meu neto André.
                André não era o neto mais velho mas pela sua formação e cargo era meio óbvio que esta seria a escolha do Dom, a família Benatti tinha conseguido sua influência através de um jornal durante a ditadura militar, que concordou ao mesmo tempo em trabalhar para o governo e a passar informações para os esquerdistas e comunistas aqui presentes, a proteção e a caça daqueles que não lhes pagavam tributo foi o que fez com que a família atingisse seu patamar de influência. Sem esquecer-se da gratidão daqueles que foram com sucesso exilado pelo uso dos advogados da Máfia, e a gratidão dos operários escondidos quando estes assumiram cargos no poder. A Família Benatti era a prova viva de que todo homem poderia ser corrompido, mas não era como estes pensavam, agiam e seguiam como uma grande família e esta é a fórmula usada para sobressair-se sem danos de todas as mudanças do jogo, formula criada de todas as formas pelo Dindo com a ajuda do meu avô e agora era eu e André que iriamos assumir tudo aquilo, uma honra e também uma maldição.
                A reunião acabou e naquela mesma noite, o Dindo morreu de um enfarte fulminante, se ele não tivesse feito aquela reunião só Deus sabe a guerra que tudo aquilo havia se tornado, e a pensar na guerra que mesmo assim aconteceu depois, sua decisão foi correta, afinal eu era assim como meu avô um "Consulente del Sangue Caldo"

quarta-feira, 2 de maio de 2012

As fagulhas entre as estrelas.

Tudo começou em 2036. Foi o ano em que a humanidade descobriu Tartarus, nome dado pelos cientistas ao primeiro buraco de verme¹ alcançável pelo homem a ser encontrado. Imediatamente foi criada a Missão Hermes, cuja intenção era justamente alcançar o incrível e misterioso rasgo dimensional. Assim foi feito, e em 2081 a nave Hermes 3 atravessou para outro canto do universo, onde permaneceu, incomunicável, por quatro longos meses. Quando haviam poucas esperanças de seu retorno, a nave retornou. Seus seis integrantes foram recebidos como os grandes heróis que eram, e trouxeram com eles uma grande notícia. Tartarus não era simplesmente um buraco de verme para outro canto do universo. Era o caminho para um verdadeiro campo de buracos, caminhos para todos os cantos do universo imagináveis. Por décadas, os humanos se prepararam para partir e catalogar esse caminho. E foi assim que em 2112 eu ingressei na Argonaut 3, uma de uma série de oito naves que iria partir para catalogar o campo, que ficou conhecido como Elysium. Eu era parte de uma equipe de nove. Nosso comandante era um capitão da aeronáutica russa, de nome Mikhail Evaliachev. Mas o homem mais importante da missão era Gabriel Davoe, um cientista australiano. Eu era engenheiro da aeronáutica brasileira, e fui escalado para tomar conta da máquina fotográfica que iria tirar as fotos nas saídas dos buracos, que posteriormente serviriam para identificar, pelos padrões de estrelas ao redor, qual a localização final do buracos. E assim nós partimos, numa viagem de oito meses até Tartarus, e depois ficaríamos mais um ano explorando os demais rasgos dimensionais. A nossa nave tinha como objetivo apenas 3 deles. E foi após atravessar o primeiro, nomeado Morpheus, que nós os encontramos. Fui eu que os encontrei. Flutuando, inicialmente, a cerca de dois dias de nós. Foi quase um presságio o fato deles terem saído na primeira imagem que eu tirei, como se algo nos guiasse para mirar a câmera para aquele lado. Eles também nos notaram, pois começaram a se aproximar. Nós permanecemos ali, parados. Os dois dias de aproximação foram de uma grande movimentação e discussão na nossa nave. Por fim, decidimos tentar uma aproximação, uma comunicação. A chance deles serem hostis era pequena. Por fim, eles chegaram, mas o silêncio imperou por mais dois dias. Nesse tempo, quem mais trabalhou foi Gabriel. Em um espaço de um dia, ele criou toda uma forma de comunicação por meio de ondas de rádio convertíveis em imagens. Foi assim que nós tomamos a iniciativa, estabelecendo o canal. Menos de duas horas depois do primeiro envio, eles responderam com o sinal que nosso gênio havia estabelecido como resposta no caso deles terem compreendido a forma de comunicação A partir dali, começou uma imensa troca de informações. Descobrimos que eles eram de um planeta onde mais de uma raça inteligente proliferou. Inúmeras guerras ali ocorreram, até que finalmente eles conseguiram se estabelecer em paz. Pelo pouco que foi conversado sobre viagens espaciais, era algo relativamente novo para eles, mas algo em que eles haviam demonstrado um imenso talento. Eles também era, segundo Gabriel, excelentes em biologia e física. Mas compreendiam pouco as formas de comunicações e interligação avançada que nós possuíamos em nosso planeta. A explicação sobre a internet, como um agrupamento de computadores que permitia comunicação instantânea a nível planetário. Eles também ficaram assombrados com outras coisas mencionadas sobre nós, como o fato de sermos uma única raça inteligente e ainda assim conseguirmos encontrar motivos para guerrear, ou ao fato de nós conseguirmos usar todas as fontes tecnológicas para gerar entretenimento. E por fim, veio a oferta. Eles queriam colocar um deles na nossa nave, e nós colocaríamos um dos nossos na deles, por 3 horas. Não sei porque, eu me ofereci. Fui o único. Não entendi o medo dos meus colegas, que vieram me dizer para tomar cuidado e evitar tocar em qualquer coisa. Mas eles se acalmaram depois que avaliamos a nave deles procurando fontes radioativas e não encontramos. O capitão concordou que eu, como melhor desenhista e fotógrafo da nave, era ideal para explicar posteriormente o que havia visto. E assim eu parti, uma semana após o encontro, para dentro da nave deles, levando comigo, para mostrar a eles, algumas imagens comunicativa de Gabriel, papel e lápis, minha máquina fotográfica pessoal (uma vez que a usada para catalogar estrelas era imensa) e um pequeno pedaço da carne que utilizávamos para nos alimentar. Ao ingressar na nave, quase perdi minha cabeça. Era inconcebível para qualquer ser humano a sua estrutura interna. Eles haviam utilizado a falta de gravidade para aproveitar melhor as formas circulares. Eles eram todos diferentes, entre si, embora suas vestimentas seguissem um padrão. Com os desenhos dados a mim pelo nosso cientista, eles me explicaram mais ou menos o que ocorria ali. O trabalho de Gabriel havia chegado ao ponto de explicar algumas sensações, como espanto e curiosidade. Expressei minha curiosidade sobre como a nave deles funcionava, e eles me permitiram que tirasse fotos da origem da força motora. E expressei meu espanto quando me foi explicado que o material usado para a construção de diversas máquinas ali utilizadas era uma substância de carbono de grande dureza. A transparência daquelas máquinas não me deixava confundir: eles tinham aprendido a moldar diamante. Havia tão poucas peças de metal, e mesmo a nave era feita de algum material não-metálico. Era fantástico. Perguntei a eles se lhes faltavam minas, e eles se surpreenderam com o conceito de cavar cada vez mais fundo abaixo da terra a procura de minérios. Quanto sai da nave, perguntei a eles a quanto tempo se encontravam em fora de seu planeta. A explicação que obtive foi de que alguns deles estavam ali a anos e anos, e outros, de raças menos propensas a permanecer no espaço, eram trocados por outros membros da raça de tempo em tempos. Esses seriam remanejados quando retornassem a sua terra-mãe para informar sobre o encontro com seres de outro planeta. Ao retornar à minha nave, fui comunicado que partiríamos em 3 horas para a terra. Comuniquei ao capitão e a Gabriel tudo que encontrei. E lhes expliquei toda minha surpresa ao descobrir que algumas daquelas espécies permaneciam anos a fio no espaço. Questionava o fato deles não sentirem falta de sua terra e de suas famílias. Então, Gabriel nos disse. - Também me surpreendeu durante a nossa comunicação. Eu consegui avançar rapidamente nos assuntos científicos, e até nos sociais. Mas ao tentar explicar-lhes o sentimento da saudade, da reminiscência de algo distante, eles não o compreenderam de maneira alguma. Quando chegamos à Terra, fomos aclamados como heróis. Anos depois, foram estabelecidos diversos canais de comunicação e eles se tornaram parceiros científicos e comerciais da humanidade. Aprendemos a viver em estações espaciais graças a eles. E alguns deles se mudaram para nossas colônias, sem nunca mais voltar ao seu planeta, e sem nenhuma saudade dele.