sexta-feira, 29 de julho de 2011

Vitral de Luísa

- Por que eu? - Era a dúvida mais recorrente. Ali, no carro, com a luz vinda de cima entrecortada pelo capô, ela perecia ainda mais bonita.
- Vai começar com isso de novo? - O sorriso dela se transformou, os lábios se apertaram numa careta de descontentamento. - Para com isso, Gui, eu não sou melhor que você.
- Meu deus, Luísa. - Ele não conseguia articular muito bem, naquela situação. Era como se beleza dela fosse um vitral, mudando o ambiente e fazendo tudo ficar mais irreal. - Eu não sou bonito, não sou forte. Seu ex...
- Para, para. Pra que falar disso? - Ela puxou e remexeu o colete vermelho que usava. Para ele, ela poderia estar vestida de palhaça e continuaria linda.
- Não é só o Pedro. São todos os garotos do seu passado. Todos eram forte, bonitos, bem sucedidos. - Ela afastou o rosto, olhando para fora do carro. - Por deus, o Filipe é juiz!
- O Pedro era um babaca! - A voz dela começava a ficar no mesmo tom da dele. - Ele me traia a cada oportunidade. O Filipe é outro, ele é arrogante, prepotente, achava que o mundo gira em torna da família dele!
- E gira, Luísa, gira. - Ele abaixou os ombros, diminuiu o tom de voz. - A família dele é dona de quase tudo. Esqueceu que eu trabalho pra eles?
- Gui. - Ela colocou as mãos, suavemente, no rosto dele, como que pedindo para que ele a olhasse. - Você tem talento, você é bom em tanta coisa. Você pode ser muito mais! - Ele abanou a cabeça. Ela insistiu. - Pode! É só parar de se rebaixar!
O silêncio tomou conta do carro, da rua. Parecia tão denso, entrecortado apenas pelos insetos e pelos cachorros, distantes, que parecia envolver o mundo todo, como se o vitral de Luíza se estendesse por anos-luz.
Era quase uma pena quebrar aquele momento, mas o ultimo argumento negativo dele acertou aquela paz como um martelo.
- Eu ainda não entendo. - Ele disse, pausadamente, tentando incomodar o mínimo possível. - Você é bonita, inteligente. Muito mais bem sucedida que eu. - Ele fez outra pausa longa, como que com medo de prosseguir. E era isso, ele entendia, que ele tinha. Ele tinha medo, mas achava certo. Não queria se sentir culpado como se sentia, como o inverno impedindo uma flor de brotar. - Eu acho que eu não te mereço.
- Não. Gui, onde você quer chegar, Gui?! - Ela começou a chorar. Uma lágrima solitária, mas era um choro.
- Eu acho que a gente devia terminar. - Ele disse, se segurando para não chorar. Se chorasse, não teria força para continuar.
- Não, não. - Ela enxugou a lágrima. - Você não é pior que ninguém.
- Então... - Precisou parar, para engolir mais uma vez as lágrimas. - Me dá só um motivo para você ter ficado comigo. Um motivo pelo qual você acha que eu te mereço.
Nenhum dos dois falou. O momento se estendeu pelo que pareceram horas. Gerações morreram antes que um dos dois se manifestasse. Uma bicicleta cortou a rua em velocidade, quebrando o silêncio.
Ele fez menção de falar, mas ela o calou com um beijo. Ele não resistiu. Quando finalmente os lábios se separaram, ela falou.
- Você me escreve poesias.
E o mundo pode seguir em paz.

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