sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Um pouco de tudo. - Primeiro ato.

Eram quase nove horas e eu já me preparava para dormir quando ouvi a sirene irritante do interfone. Era o Pedro.
- Preciso da tua ajuda. E do teu carro. - Ele me disse, sem se incomodar com um "oi", "como vai".
-Que maluquice é essa? - Era sábado e eu, como bom anti-social, tinha um compromisso com a minha cama.
- Terminei com a Malu. Preciso buscar umas coisas na casa dela. - Ele disse, com uma careta que me lembrou esse personagens cômicos que gente como Jack Black e Jim Carrey insistem em fazer. Não ia adiantar argumentar muito com ele, como eu sabia.
Vinte minutos depois estávamos no carro. Ele me deu a direção e eu fui guiando. Não demorou muito e estávamos no bairro certo. Era um reduto um tanto boêmio, com muitos bares. Me lembrei que havia por ali três ou quatro teatros. Era o que se pode chamar de centro cultural.
A casa da Malu era uma portinha com uma escada, que levava ao apartamento de fato, no segundo andar de um salão de beleza, sem de fato haver conexão entre os andares. A escada era ampla, como se o arquiteto previsse o dia em que eu teria de usá-la para transportar um sofá.
Quem abriu a porta foi a colega de quarto. O Pedro só fazia referência a ela como Orca. Fora isso eu só sabia que ela tinha feito o colégio com o Pedro e a Malu. Eu tinha conhecido o Pedro mais tarde, na faculdade, longe daquela enorme cidade. Mas ambos tínhamos sido contratados juntos para a empresa, e ele tinha voltado para a cidade onde já tinha até namorada, e eu não conhecia ninguém fora ele.
Voltando ao momento, a Orca abriu a porta. Posso jurar pela minha morte que de baleia ela não tinha nada. Era uma ruivinha baixa, principalmente quando comparada a mim, mas ainda assim era muita areia pro meu caminhão. O Pedro disse um oi corrido e se mandou pra dentro, me deixando praticamente sozinho com ela.
- Prazer, Gustavo. - Eu disse, estendendo a mão.
- Ana Carolina, pode me chamar de Carol. - Estendeu a mão e apertou a minha. Ao ver as unhas dela, dessas ovaladas, pintadas de preto, me veio uma idéia estranha de que aquelas unhas poderiam me rasgar, se quisessem. Eu não era do tipo de pensar besteira, e cabei me surpreendendo a mim mesmo com aquele pensamento alienígena.
Quando dei por mim, estava na cozinha, na companha da Carol.
- Quer comer algo? - Ela disse, remexendo nas panelas sobre o fogão.
- Não, obrigado. Eu já comi. - Tinha comido mesmo. Um lanche fast food. Se minha mãe soubesse, eu ia ter que pedir exílio político em algum país. Naquele momento, Pedro e Malu começaram a se exaltar um pouco. Alguns gritos, barulho de coisas sendo jogadas. Carol só remexeu os olhos, soltou um suspiro que me fez estremecer.
- Vou fumar um cigarro na varanda. Você vêm ou quer ficar ouvindo a baixaria. - Eu sorri e me afastei da bancada onde estava apoiado, mostrando que estava disposto a sair dali. Só então reparei que ela estava arrumada para sair, exceto pelos pés, que usavam um chinelo.
Não comentei nada sobre como ela estava vestida. Ela me guiou pelo pequeno apartamento até a sacada, que era do lado oposto ao da rua. Ela afastou a porta de vidro fosco, revelando uma das vistas mais bonitas que eu já tinha visto. Perdi o fôlego. Havia verde ali, como não é comum encontrar no meio de uma cidade grande.
- É algum parque? - Eu disse, me apoiando na pequena grade que protegia qualquer pessoa do acidente maravilhoso que seria mergulhar naquele mar de árvores.
- Não sei direito. - Ela disse, acendendo o cigarro. Me ofereceu um, mas eu recusei. Ela soltou a fumaça da primeira tragada e voltou a falar. - Parece que é algum pedaço de Mata Atlântica defendida por lei, algo assim. É o motivo da gente ter escolhido essa casa entre todas que a gente visitou no bairro.
- Mas vocês iam morar por aqui de qualquer maneira. - Ela abanou a cabeça confirmando. Soltando a fumaça pelo nariz, ela voltou a falar.
- Todos os nossos amigos moram por aqui. E tem os melhores barzinhos desse lado da cidade.
Eu virei pra ela e não consegui mais olhar para o verde. Ela era bonita, sem dúvida. Tinha um certo mistério, um "q" de sensual que faltava em mim. Era como se ela fosse uma deusa e eu, até poucos instantes atrás, um ateu que havia desistido de crer naquele tipo de entidade. ]
Ela olhou o relógio, sem se incomodar com meu olhar.
- Eu tenho que ir encontrar com uns amigos. Mas não quero te deixar aqui sozinho. Eles vão brigar a noite inteira e, lá pelas quatro, vão se acertar, dormir juntos e acordar amanhã sem nem lembrar quem trouxe o Pedro. Quer ir embora ou ir comigo encontrar meus amigos?
Eu pensei um pouco. Não era muito do meu feitio, ainda mais me excluindo da sociedade como se fosse um leproso, sair pra beber, principalmente com uma pessoa que eu acabara de conhecer e outras pessoas que nem conhecia. Mas, afinal de contas, eu já estava fora da cama numa noite de sábado. O que podia ser tão ruim?
- Vou com você.
Ela sorriu, apagou o cigarro na grade da sacada e o jogou fora. Abrindo a porta, gritou para dentro da casa.
- Malu, eu e o... Gustavo vamos beber uma cervejinha e já voltamos.
- Tá! - Foi a resposta, e a briga recomeçou.
Descemos a escada. Eu fui na direção do meu carro enquanto ela ia em frente. Eu ia chamá-la, mas ela se virou e me viu colocando a chave na porta. Ela se aproximou, segurou meu braço e me puxou.
- Não se preocupa, é aqui do lado, vamos andar um pouco.
Desde que eu comprara o carro eu não tinha mais o costume de "andar um pouco". Era só uma das coisa que eu ia reaprender naquela noite e nas semanas e meses subsequentes.
E foi assim que eu conheci a Carol, que me apresentou outras pessoas importantes. E assim começa a minha história, que também é dela, do Pedro, da Malu, da Nanda, do Dado, do Hugo, da Anelisa, da Valéria, do George. Enfim, de muitas outras pessoas. É uma história que vai muito ali de uma noite no bar, passando sobre como eu usei a escada larga pra passar com um sofá, sobre como eu perdi meu carro, sobre como eu mudei da minha casa, sobre como eu melhorei minha vida. Mas isso eu vou contando aos poucos.

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