Tenho certeza de algumas coisas, a primeira é de que
quando meu primeiro cigarro do dia acaba, é nesse momento que começo a pensar
em você, em pensar que essa boca seca, fatigada pelo fumo já foi um dia, sua
fonte, fonte de onde saiu o amor e palavras que você precisava, em pensar que
esses dedos amarelados e cascudos já foram uma mão macia e amiga que te fez
carinho, não dá para entender o porquê tudo aconteceu. Foi tão rápido, e a
verdade, a sincera verdade, é que para você eu nunca fui metade do que você realmente
precisava, quem sabe se tivesse chegado a estes tímidos cinquenta por cento eu
tivesse te salvado, talvez se fosse hoje, se fosse hoje nada daquilo teria
acontecido.
É fácil para eu pautar em minha mente as lembranças de sete
anos atrás, de ver naquele estado, não minto, foi difícil para mim, e agora
tudo se torna ainda mais difícil, porque o que me fazia forte, o que me fazia
crer que meus comentários tímidos e fracos, seria o bastante para te salvar,
seria o bastante para te fazer ver a pessoa maravilhosa que você era, mas o meu
medo, medo de arriscar, sempre foi um problema, e foi baseado nesse medo que eu
construí promessas que jamais seria capaz de cumprir.
Foi maravilhoso, quando desci na rodoviária, seu cabelo
preto, seus olhos negros, sua pele sempre branca, você falou com sua voz sempre
madura, eu não escutei direito, só queria te abraçar sentir teu cheiro suave e
sereno, e abracei e senti, mas também senti em teu rosto um gosto salgado, uma
gota tímida que caia de seus olhos e não era suor, uma lágrima, seu mundo havia
caído e agora ela encontrava o ultimo sobrevivente.
Ao contrário das pessoas normais, você clara e calmamente
me explicou os fatos, você o conheceu em uma festa, e a despeito dos
caras normais ele te fez sorrir, tinha um misto de pureza e alegria que
superava o de qualquer cara que você tinha conhecido até aquele dia, antes de
ver você, ele havia ficado parado em um canto da festa, tomando boas goladas de
uma bebida, que de longe te pareceu ser whisky, a musica tocou e você viu ele
se aproximando, viu os passos dele vindo até você, vocês dançaram aquela
musica, e algumas outras, foi quando ele saiu de perto de você, e quando
voltou, ele te tomou pela mão e te falou coisas lindas. Depois desse primeiro
encontro houve outros, ele te levou para conhecer os amigos dele, todos boa
gente, você notou num desses encontros que ele tinha algumas picadas no braço,
ele te disse que estava fazendo alguns exames, notou também que ele sempre
ficava gripado muito facilmente, mas você continuou saindo com ele, marcas de
feridas apareciam na cabeça dele, mas ele dizia que não era nada, a imunidade
dele andava baixo e você já percebia deixou passar, não era nada.
A família dele era uma boa família, um pai sorridente,
que gostou de você logo de cara, a irmã dele te amou e te chamava a todos os
cantos de cunhadinha, foi fácil para você tomar lugar naquele lar, e parecia
exatamente isso aquele era seu lar, você passou a dormir lá as vezes, até
quando seus sogros e cunhada não estavam lá, as vezes ele sumia e você não
sabia para onde ia, sempre voltava com as picadas no braço, mas o seu carinho
por aquele cara era tão grande, ele não iria te fazer nenhum mal, afinal o que
aquele homem que superou todos os outros poderia fazer de errado? Aconteceu,
vocês fizeram amor, se entrelaçaram e você se entregou, foi quente, foi verdadeiro, foi especial.
Mas ele começou a ficar mais doente, e você percebeu que
as picadas não eram normais, ou exames, segundo ele não era de ir ao médico,
inventou uma história de que fazia tratamentos caseiros, medicamentos que você
encontraria junto as seringas, ele usava drogas injetáveis, e a doença que ele
tinha não iria mata-lo e sim ele morreria de uma overdose, após vocês brigarem
ele injetou gota por gota até revirar seus olhos e simplesmente se apagar,
deixando para você uma herança maldita, o seu médico queria conversar com ela
mesmo no enterro ele insistia que o mais rápido possível ela deveria fazer alguns
exames.
E deu positivo, ela tinha HIV, e depois de um ano de
namoro, o vírus já se espalhava, você já estava começando a sofrer os efeitos
da AIDS, e ali forte eu te abracei, mesmo sentado eu chorei também por saber a
triste noticia, eu te amava, e te queria para mim, por muito tempo esperei
aquele momento, momento que me fora tomado por um animal sujo e vil, um usuário
de drogas injetáveis qualquer, e eu perguntava como eu podia ter deixado que minha
amada fosse usada daquele jeito, uma pena ele ter morrido, como eu queria
destrinchar cada canto de seu corpo e mata-lo vil e calmo, para que ele sofresse
nem que fosse um décimo da dor que maltratava meu coração eu chorei, mas decidi
que não sairia de perto de você, a cada momento ali eu estaria.
Foi-se um mês, o tumor chegou e as doenças ditas
oportunistas eram comuns e fortes, elas se alternavam, quando não era o tumor
da toxoplasmose te tirando a força, a visão, o andar, era a pneumonia que
muitas vezes acompanhada de seu péssimo astral de inundava de dor, as gripes
eram rotina, tudo era tão duro para você, mas eu não fraquejava, tentava ser
forte, fui forte em cada momento que estive ao seu lado. Um namoro estranho,
raramente você me beijava se sentia impura, suja, imunda, se culpava por um dia
ter se deitado com um cara de lábia tão grande, eu te consolava te abraçava
profundamente e te beijava a testa, enquanto numa cama de hospital você recebia
mais um soro, era triste, eu chorava escondido por não poder te curar, e como
por mil vezes eu pedi a Deus que eu estivesse em seu lugar.
Os familiares se afastaram e eu decidi ficar e pouco a
pouco todos perdiam a esperança, você rejeitava os coquetéis, dizia que queria
morrer, e eu te jurava que se você morre-se, minha vida ali acabava, e acabou.
Era um dia de sol, todos os meus compromissos daquele dia iriam me impedir de
vê-la, mas eu decidi que iria dormir no hospital, e o fiz, te beijei a testa
enquanto você acordava, havia ficado em coma por dois dias, em coma ou dormindo
eu não sabia muito bem enxergar a diferença. Eu havia decidido que se você saísse
daquela cama dessa vez iriamos nos casar, não importava o quanto de seus não eu
teria que escutar, iria te convencer não iriamos passar muito tempo longe, mas
você com sua voz bem fraca me anunciou:
- Quero falar com você Thiago.
- Pode falar Deh – o nome dela era Débora mas nunca a
chamei assim, sempre deh ou quando bravo Debra – eu estou te ouvindo.
Com
a voz bem fraca ela disse:
- Eu estou morrendo Thi, e dessa vez é de verdade –
tentei interromper ela, mas ela continuou – se posso te pedir uma coisa é que você
só chore por mim depois que eu tiver sido enterrada.
E foi assim, ela dormiu e dormiu para sempre, eu não
chorei como ela me pediu, não chorei mesmo, era segredo que eu iria chorar, ela
sabia disso, e sabia que me tornaria forte por fora para cumprir minha
promessa, eu não me foquei no trabalho, não tomei nenhum porre, a única coisa
que eu fiz foi comprar um maço de cigarro, o cigarro dela, um Derby prata, e
fumar o maço inteiro, mesmo sem jamais ter fumado.
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