quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Assimetria.


- Achei. - Ele disse, apertando suavemente com o indicador um ponto nas costas dela.
- O que? - Ela nem seu deu ao trabalho de tirar os olhos do livro que prendia sua atenção. Era o livro que ele acabara de lhe dar, o Canto Geral, de Pablo Neruda.
- Seu único defeito. - Ela se virou, mexendo o corpo para que ficasse de frente para ele, mas ainda deitada na cama. Seu rosto se contraiu numa expressão de desentendimento. - Uma espinha. - Ele completou. - Pena que é temporário.
Ela riu, puxando o rosto dele para perto, e o beijando. Ficaram abraçados, protegidos apenas pelo cobertor leve da cama. Não se mexeram por muito tempo, mas para os dois pareceram apenas alguns segundos.
Quando ele achou que ela havia adormecido, ela remexeu a cabeça, abriu os olhos, e disse:
- Eu não sou perfeita. - Ele se aprumou, se arrumando para olhar melhor o rosto dela enquanto falava. - Eu tenho muitos defeitos. Eu sou egoísta, sou ciumenta, sou intolerante. - Ele a apertou forte, como se ela fosse sumir a qualquer momento e ele quisesse impedir.
- Você é. - Ele disse, estranhamente cansado. Ele sabia que ela roubava cada gota de energia que ele tinha. Era como se ela fosse um fantasma sedento por cada gota de vida dele. E ele não se importava em ceder. - Você é ciumenta, é intolerante, egocêntrica.
- Egoísta. - Ela corrigiu, rapidamente.
- Isso, egoísta. - Ele concordou. E ficou em silêncio. Ela não esperava que ele parasse. Ela queria entender como ele podia ter dito que ela só tinha um defeito com todos aqueles problemas que ele concordava. Ela não soube esperar, e perguntou.
- Então porque você disse que meu único defeito é uma espinha passageira?
Ele se sentou na cama, ainda olhando nos olhos castanhos dela. Ele podia se perder por horas naqueles olhos, mas um movimento de indagação vindo dos próprios o instigou a responder.
- Porque tudo isso faz você ainda melhor. Ainda mais especial. - Ele a puxou para um beijo, ainda mais apressado que o anterior, um tanto quando exausto. E quando ela se afastou, voltou a falar. - Eu me apaixonei por você pelas suas virtudes. Sua beleza, sua força de vontade. O jeito como você sorri de manhã mesmo quando eu não te deixo dormir. O fato de você ligar pros seus pais e pra sua avó todo final de semana.
Ele ficou em silêncio. Ela sentiu o "mas" que nunca foi pronunciado. Ela queria saber.
- Mas...?
Ele sorriu.
- Mas eu te amo pelos seus defeitos. E por isso eles não são defeitos.
Ela sentiu um aperto no peito. O beijou como nunca beijara antes. Durante de longos minutos de beijo, era ele quem roubava cada gota de fôlego dela. Enfim, se separaram.
- A única coisa que eu não gosto em você é essa espinha. Pena que ele não vai durar. - Ele completou.

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ilustração por: Fábio Clavisso Fernandes  
E-mail para contato: fabioclavisso@gmail.com

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