terça-feira, 9 de agosto de 2011

Em cada canto de sua boca...


               Embora não parecesse, nada poderia ser diferente do que tinha acontecido, eu me encontrava agora aqui, na cidade de Trevisan, e você havia nascido aqui há muito tempo, fui criado no interior, numa cidade onde ter pouco já era ter muito, e onde inveja e orgulho se misturavam de tal forma que se tornavam uma única coisa, você havia sido criada de maneira diferente não tinha muito, mas o seu muito nunca haveria de se tornar pouco, gostava da sua vida cada dia mais.
                O medo, quando eu te conheci era claro, tinha ouvido falar que você tinha sido um grave problema ou coisa assim para um de meus amigos, mal saberia que o único problema que você poderia trazer para mim seria carinho em excesso ou amor demais. Fui aprendendo pouco a pouco a reconhecer você, a ver, lembrar teu nome, a responder de maneira carinhosa ao ouvir o som de sua voz, fui educado a te amar e te escutar e na cidade de Trevisan tudo que eu aprendia sobre ela tinha um toque de você.
                Era engraçado, mas exatamente no tempo em que eu começava a conhecer os pontos da cidade, eu começava a conhecer as curvas e as formas de seu rosto e corpo, sua pele morena, seus dentes sempre abertos em sorriso, sorriso de quem não se envergonha de se jogar diante da vida, num dos lugares por onde Trevisan não passou nos conhecemos, não consigo lembrar bem onde nos conhecemos, terá sido num desses inferninhos suburbanos ou na universidade?
                Não sei, mas eu sei que demorou muito mais do que eu imaginava, ou talvez menos para que eu ficasse diante de você, corpo sobre corpo, boca sobre boca, inseguro, ainda estava inseguro, mesmo ao te beijar eu era inseguro, mesmo ao te tocar num canto de vitória, o medo ainda tomava de minha face, por que por mais que fosse longe e ao conhecer teus encantos carnais eu conhecesse o mais profundo de seu intimo, eu não me conhecia, ainda não sabia do que era capaz, era medo, era mistério de mim mesmo.
                Como falso poeta que eu era por alguns instantes me deixei construir um mundo de mentira, onde eu era um perfeito amante, e poderia te amar de forma intensa, e assim pouco a pouco comecei a representar o papel, era ator, e bom ator, e no meu papel te beijava de forma intensa e firme, era confiante e único, era perfeito e belo, mesmo sabendo que no fundo eu era apenas a velha casca insegura.
                Continuei deixei que os ventos da presença dela me levassem, deixei que o mundo todo me tocasse, bebi um copo de whisky para que me calasse, continuei admirando aquele ponto que Trevisan não havia conhecido, e agora admirava ainda mais a boca e corpo que ele jamais teria tido chance de ter conhecido, e pensar que tudo aquilo, aquela cidade aquela beleza aquele poema, que fora de Trevisan agora eram meus.
                E na minha humilde inocência olhei para mim mesmo, relembrando dele, e do que ele escrevia e discordei, a velha Curitiba de pureza e inocência, de colonizadores e doutores ainda estava lá reencarnada em uma nova estrofe de um poema bem mais puro até que antes, numa forma de beleza pura que se escondia no canto onde os namorados se escondem no Botânico, na relva da Universidade Federal onde os amigos se reúnem para jogar a conversa fora, na Praça Osório, ou nos entornos da XV de Novembro e do bondinho. Em cada canto da boca dela estava a verdade, a saudade a velha Curitiba, tão procurada por tantos, estava lá, tão bem escondida e intocável, que eu decidi guardar para sempre.



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