O cheiro doce da canela se misturou com o odor amargo do chocolate puro quando bateu no fundo da bacia. Ela passou daqui para ali, tomando conta de tudo ao mesmo tempo, lavando enquanto sujava. Uma assadeira apareceu untada antes que eu pudesse notar. E a massa foi pro forno.
Ocupada, você nem me notou, no topo da escada, observando a distância você sujar seu nariz de farinha. Mesmo depois de todo o trabalho, você não descansou. Limpou toda a sujeira que tinha feito, por mim. E sentou na cadeira de madeira antiga da cozinha como se fosse a mais confortável do mundo.
Corri pra cima. Sabia que você ia ficar chateada se eu tivesse que trabalhar mais aquele domingo. Abri o notebook, em instantes escrevi uma linha, outra, uma coluna completa. Era parte do nosso sustento, para eu não ter que me preocupar em escrever um livro por mês. Todos os dias, uma coluna nova.
Você até quis, eu me lembro, arrumar um emprego diferente, melhor remunerado. Mas eu ia ter que ficar sem ver o brilho dos seus olhos quando você falava das crianças, das aulas, de como elas aprendiam e ensinavam. Não. Fechei o computador quando ouvi você batendo a porta ao sair.
Corri pra baixo, e ainda ouvi o seu chinelo raspando no chão de pedras da calçada. Não sem pressa, mas agradecido pela oportunidade, corri molhar as plantas, que você tinha me pedido ontem e eu tinha esquecido.
Você teria chegado, eu teria corrido pra cima, fingido ainda estar dormindo. Você tiraria o bolo do forno, furaria ele com um palito de dente pra ver se estava pronto. No ponto. Você ia se limpar, se arrumar, e me acordar.
Eu iria fazer uma cena, fingir uma espreguiçada, um bocejo. Você teria dito que tinha feito um bolo, e eu diria:
- Meu predileto. - E eu teria te abraçado, te beijado, e descido com você até a cozinha, onde você ia me cortar um pedaço três vezes maior que o seu, e eu ia ter perguntado onde você queria almoçar.
Mas o telefone tocou. Você não iria chegar. Nunca mais.
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