sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Naquele Tempo

Ela dava pra todo mundo. Isso era uma certeza, eu diria unânime, do prédio. Toda sexta e sábado ela saia com as amigas e voltava com um cara. Um cara diferente por semana. Não demorou para ela ser o escândalo do momento. Era o assunto principal das fofocas das diaristas. A principal reclamação da velhinha do térreo para o síndico. O motivo de especulação dos casais de bem ("Como ela ganha a vida dela?", Será que é puta?!") e dos de não tão bem assim. A razão dos porteiros levantarem para abrir a porta do elevador. E a esperança de alguns moleques. Para os mais velhos, ela era a "Vadia do Sétimo Andar". Pra gente, ela era a Vizinha.
Os porteiros viviam comentando com a gente como ela era gostosa. Só mesmo uma mulher bonita pra dar assunto entre um grupo de porteiros batalhadores e calejados da vida e um grupo de adolescentes metidos a besta e sem a menor noção da vida. Nós éramos esses últimos. O Sebastião, nosso porteiro favorito, vivia dizendo que se ela desse bola, ele nem pensava duas vezes. Era mentira. Tava pra aparecer sujeito com mais respeito pela esposa que o Bastião. Mas ele gostava de falar essas besteiras pra gente, pra botar banca, ficar parecendo um cafajeste.
Cafajestes éramos nós. Respeitávamos a Vizinha como mulher, como desejo, mas eramos muito crianças emocionalmente. Tínhamos namoradas, mas elas não eram mulheres, não era deliciosas como a Vizinha. E assim começa o meu drama.
A idéia veio do Fefo, como sempre vinha. Ele era o mais velho isolado, com 17 anos, e tinha mais do que a gente chamava de experiência (o que queria dizer que ele tinha ficado com mais garotas e não era mais virgem). Isso fazia dele um tipo de líder informal. Fora ele, tínhamos todos 16 ou 15 anos. Eu tinha acabado de fazer 16 e estava no segundo colegial, mas era dos mais inexperientes do grupo (o que quer dizer que eu era virgem). Um dia, enquanto eu andava com o Fefo e o Drika no calçadão, que era próximo do prédio, quando ele soltou.
- Alguém da turma tem que traçar a Vizinha.
- Isso é um fato. -Disse o Drika, o mais engraçado de todos nós graças ao sotaque carioca. - A dúvida é como, meu amigo.
- Isso não importa. Até o fim do ano algum de nós vai conseguir. Eu garanto.
E a partir daí, praticamente todo o nosso tempo era gasto pensando em como fazer aquilo. Não que antes nossa atividade integral já não fosse tentar levar alguma garota pra cama. Mas era a primeira vez que a turma toda trabalhava pensando na mesma mulher, e também a primeira com mais de 18 anos que despertava o interesse da gente.
Não que eu tivesse muito envolvido naquilo. Eu namorava, e namorava bem, uma garota do prédio, a Vitória. A Vi tinha o ar típico de uma garota de colegial morando num prédio da cidade. Adorava ver tv, tinha lá seus ídolos, passava muito tempo na net, e não tinha grandes preocupações na vida. Nenhum de nós tinha. Mas às vezes eu sentia que aquilo tudo era tão... Monótono. Todo mundo, todos os meus amigos, as namoradas deles, a minha namorada, as amigas dela, estávamos sempre juntos. E eram sempre os mesmos assuntos.
Talvez o problema fosse eu. Eu pensava mais pra frente, minha família tinha mais cultura e me forçava a pensar mais fundo que a do resto do pessoal. Era certeza que eu ia fazer faculdade, e meus amigos preferiam não estudar, ir tralhar com os pais e depois herdar os negócios. No começo eu não me importava, mas naquela época, isso começou a me irritar.
Foi num dia chuvoso de Abril, não muito depois da resolução do Fefo. Era sábado, estava escurecendo, e eu estava voltando da aula de violão. Estava sozinho no apê aquele fim de semana porque meus pais tinha ido visitar uma tia.
Eu não corria da chuva. Na verdade, eu sempre adorei tomar chuva. E eu já estava a dois quarteirões do prédio. Mas estava cansado, então resolvi sentar num dos bancos da praça ali perto, com chuva mesmo, para descansar um pouco.
Mas já havia alguém por lá. A Vizinha, sentada no meu banco favorito, tomando chuva e com uma expressão que eu nunca vou esquecer. Ela obviamente tinha chorado a pouco tempo.
Me esforcei para lembrar o nome verdadeiro dela, me aproximei, ainda meio receoso, e disse:
- Tá tudo bem? - Eu tive que falar um pouco alto, o som da chuva era forte. - Você é a Heloísa, do sétimo andar, não é? Eu sou o Oka!
Aliás, esqueci de comentar. Meu nome é Pedro Paulo. Mesmo nome do meu pai. Mas minha família, em vez de me chamar de Pedrinho, optou por Pedroca. Logo esse apelido passou para os meus amigos, que resolveram encurtá-lo. Foi assim que, sem nenhum parente oriental, eu fiquei conhecido como Oka.
A próxima coisa que eu me lembro é de estar no apartamento dela. Me recordo de ter uma conversa com ela na chuva, ter feito ela rir um bocado, recuperado o humor dela. Ela me convidou pra conversar com ela lá. Ao chegar, ela me disse que eu estava ensopado, devia tomar um banho pra não pegar um resfriado, ou minha mãe podia ficar brava com ela por deixar o filho gripar.
Entrei no box do chuveiro dela. Não demorou muito, ela estava lá também. E assim foi minha primeira vez.
Não foi mágico, nem absolutamente incrível. Por culpa minha, inexperiente. Mas foi especial e inesperado. Acabei passando a noite lá, e ela me ensinou muita coisa. Não só sobre sexo, mas também sobre morar sozinho, amadurecer. Ela era excelente professora. E era isso que ela ia ser no futuro. Fazia faculdade de Biologia, mas vinha de uma família que permitia pra ela morar num prédio de classe média alta sem ter terminado o curso ainda. Essa era uma informação que ninguém da turma tinha se importado em conseguir antes. Mas ali, naquele momento, eu queria mais informações sobre ela. Sem saber, eu tinha caído no clichê de me apaixonar pela garota que tirara minha virgindade.
Ela me evitou por dois dias. Mas no terceiro, eu consegui falar com ela. Não sei o porque, não sei o como, mas ela estava interessada em mim, por mais que considerasse aquilo errado. Volta e meia eu escapava de casa nas tardes dos finds de semana e ia pra casa dela. Passava a tarde lá e conseguia, contra todas as possibilidades, seduzir ela mais uma vez. E assim continuamos, por um mês, sem que ninguém do prédio descobrisse. E então, desabou tudo de uma vez.
Eu desci pra buscar as revistas da minha mãe no sábado de manhã. Encontrei o Bastião e uma moça linda conversando com ele. Ela logo foi embora. Sinalizei que tinha ido buscar as revistas, que ele pegou pra mim comentando.
- Linda essa aí né? Vai mudar pro apartamento que a dona Vera deixou vago. Queria saber das vagas de estacionamento.
- Ah, o prédio vai ficar mais bonito. - Eu brinquei, como sempre fazia com ele.
- Pois é. - Ele disse, com uma gargalhada. - E por falar em prédio bonito, a Vizinha voltou pra farra, não é? Saiu aqui fora pra se despedir de um cara bonitão que foi embora num carrão conversível que tava estacionado desde antes de eu entrar. - E acrescentou. - Parece que dormiu lá.
A minha fúria não tinha tamanho. Deixei o Bastião sem me despedir e subi direito pro sétimo.
Bati na porta repetidas vezes, até ele me atender. Quis saber o motivo da minha agitação. Quando soube, se irritou também.
- O que você quer de mim? - Disse, levantando também a voz.
- Como você faz isso comigo?
- O que eu fiz contigo? Me diz, o que?
- Porra, pensei que você gostava de mim!
- Que merda, Pedro. - Era assim que ela me chamava. - A gente não tem nada. A gente transou umas vezes! Você não é meu namorado! Você é muito... - E calou.
Eu fiquei em silêncio. Era o assunto que a gente tinha evitado falar, mas tinha aparecido por conta própria, criado vida.
- Eu sou muito novo. - Eu disse em voz baixa.
- Pedro. Não é assim, calma. Vem aqui.
Ela me abraçou. Mas a gente tinha percebido no que aquilo ia dar. Era a ultima vez que eu ia ali. Não pedi um ultimo beijo, uma ultima vez. Olhei nos olhos dela e fui saindo.
Na porta, minha surpresa. O Fefo, pronto pra tocar a campainha. Fechei a porta atrás de mim.
- O que você tava fazendo aí?
- Nada, cara, nada.
- Você conseguiu! - Um sorriso brotou na cara dele. - Eu demorei meses bolando meu plano, e você já conseguiu!
Eu contei pra ele tudo. Meu erro. No dia seguinte, a turma toda já sabia. No meio da outra semana, o prédio todo. Algum dos moleques tinha deixado escapar na mesa de jantar, ou algo assim.
E isso acabou com meu namoro com a Vi. Claro, eu fui um idiota e merecia isso. Mas quando a Vi parou de falar comigo, eu percebi o quanto gostava dela. Ela não era como eu pensava. Percebi o quão especial ela era, que ela não era burra como as outras garotas, que ela era diferente das outras. Outro clichê em que eu caí.
No fim do mês, outra surpresa ruim. Voltando da aula, vi a Heloísa coordenando a própria mudança. Questionei, discuti, mas ela me fez enxergar que era o caminho certo. Assisti os carregadores levarem cada pedaço da casa dela para o caminhão como se fosse alguém levando embora meu tesouro. No fim, acompanhei ela até o táxi.
- Se você precisar de algum conselho, alguma ajuda, algum ombro amigo, me liga. - Ela disse, entregando um papel com o telefone dela. Eu não respondi nada. Peguei o papel e fiquei olhando nos olhos dela, até que ela tomou coragem, entrou no carro amarelo e foi embora.
Aqueles incidentes mudaram minha vida. Primeiro, a curto prazo, me serviram pra me tirar do vácuo social. Eu fiquei conhecido na região, e as garotas do meu prédio e dos outros viviam dando em cima de mim. Mas elas eram vazia, não tinham nada pra me ensinar. Também me valeram pra perceber que meus amigos eram mesmo imaturos.
Com o tempo, eu fui pra faculdade, fiz novos amigos. E reencontrei a Vitória. A gente voltou a ser amigos, e depois de um tempo, namorados. Não deu certo.
Essas coisas acontecem. Estamos sempre perdendo um amor ou outro, e sempre achando que perdemos um pedaço da gente com eles. Mas a gente sempre acha força pro próximo passo.

3 comentários:

  1. Nossa, muito bom ^^
    São melhores que os meus T-T shuahsauhs uah!!
    Muito bom mesmo, as palavras bem colocadas e consegue prende agente, adorei!
    Bjos!!

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  2. Caraca .... muito bom mesmo ! Adorei, adorei !

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  3. Mais comum do que se pensa (eu imagino) esse tipo de situação.Mas vc colocou de uma forma bem limpa. Gostei!

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